É cada vez mais frequente investidores, famílias empresárias, empreendedores e até mesmo empresários já consolidados preocuparem-se com as relações que mantêm ou manterão junto aos sócios das sociedades das quais participam ou que vislumbram participar. E isso é motivo para se comemorar!
Antes restrito a sociedades de porte grande, com altos níveis de faturamento, o maior acesso às informações e aos instrumentos próprios dos acordos de sócios felizmente chegou às sociedades de portes médio e pequeno. Considerando a proporção e a relevância destas sociedades na atividade econômica, pode-se dizer que a celebração de tais contratos adquire ainda maior importância, pois eles têm a finalidade de minimizar os riscos de conflitos e, consequentemente, a potencial dissolução prematura de empresas.
Os acordos de sócios têm ganhado relevância no Brasil por diversos motivos, entre os quais destaco o alto índice de divergências que reflete, em grande medida, negócios que não atingiram as expectativas dos sócios. É o alinhamento de expectativas o ponto central da discussão de um acordo de sócios. As perguntas se repetem com frequência: o que eu espero dos demais sócios e o que eles esperam de mim? Qual nível de poder eu consigo exercer? Que tipo de decisão considero a minha ou a participação dos demais (alguns ou todos) sócios imprescindível? Como é possível eu trabalhar e ganhar a “mesma coisa” que meu sócio ganha, se ele não trabalha na sociedade? E se eu morrer, quem assume?
O contexto destas perguntas justifica elencar as principais matérias que a prática do dia a dia tem demonstrado trazer os maiores problemas aos sócios. Sem menosprezar o valor dos acordos de sócios para toda e qualquer sociedade, independente do tamanho, é importante definir que o escopo das matérias abaixo compreende, na grande maioria dos casos, sociedades empresárias de responsabilidade limitada e sociedades por ações de capital fechado com numero aproximado de 4 sócios, integrantes do chamado middle market e, em muitos casos, 2 sócios administradores detendo participação de 50% cada no capital social, “pesadelo” dos juízes das Varas Empresariais de São Paulo.
Diferente do que se imagina, entendo que não são as famosas cláusulas de restrição a circulação de ações/quotas – direito de preferência, primeira recusa, tag along, drag along – que trazem o maior número de conflitos, mas sim circunstâncias que envolvem a própria operação da empresa e que desencadeiam nas matérias abaixo:
1. Apuração de haveres: trata-se do montante devido ao sócio na sua saída da sociedade em decorrência do valor da sua participação. Há que se estabelecer os parâmetros para se alcançar o valor dos haveres, observando a jurisprudência sobre o tema. Morte, exclusão de sócios e dissolução parcial são os eventos que mais trazem este assunto à mesa de discussões.
2. Diluição: trata-se da diminuição da participação societária de sócios que não acompanham aportes de capital feito pelos outros sócios ou terceiros ingressantes na sociedade. Há cláusulas que asseguram a anti-diluição em situações específicas. Aqui vale um destaque para fundadores de start ups, os quais podem ser muito prejudicados em rodadas de investimentos se não estiverem cientes da sua posição contratual.
3. Atribuições dos sócios que atuam na operação: pouco se define sobre o que se espera dos seus pares em termos de contribuição de serviços à sociedade. Não me refiro a eventual integralização de capital em serviços, a qual é bastante comum nas discussões societárias, em que pese a proibição da lei nos casos das sociedades empresárias, mas sim ao esforço conjunto visando alcançar o sucesso nos negócios. Os sócios administradores, como regra, não definem o que cabe a cada um desempenhar, metas para se alcançar, tampouco critérios de avaliação do seu desempenho como gestor. Tais definições são fundamentais.
4. Distribuição de trabalho versus remuneração: usualmente o trabalho é remunerado com os lucros advindos da sociedade, sem a estipulação de remuneração a título de pro labore, ou seja, pagamento pelo desempenho de uma função/posição. Por menor que seja esta remuneração, é fundamental estabelecer a que título o sócio administrador está recebendo valores da sociedade. Esta distinção também é fundamental para se evitar alegações de confusão patrimonial e distribuição de valores a título de lucros sem que a sociedade tenha, efetivamente, lucros a distribuir. Diversas consequências podem afetar sócios e administradores que não possuem gestão neste sentido, inclusive autuações e ações de responsabilidade.
5. Aprovação de contas: sócios aprovam contas da administração. Nada pouco comum é a confusão da figura do sócio e do administrador em uma só pessoa – o denominado conflito de agência. Problemas são frequentes neste sentido e a ação de prestação de contas contra sócios administradores poderia ser evitada com governança corporativa mais clara neste sentido.
6. Quórum decisório idêntico – impasse: o que fazer em uma sociedade com governança corporativa inexistente, cujo capital social é distribuído entre 2 sócios de forma exatamente equivalente, sendo que ambos exercem poder de administração de forma individual e ilimitada? Este problema atinge um número enorme de empresas e, não havendo acordo e cláusulas que desatrelam este “nó jurídico”, a solução é usualmente proposta por um juiz de direito depois de longos anos de discussão. A insatisfação de todos os envolvidos é regra nestas hipóteses.
Os exemplos de matérias como as mencionadas acima poderiam se estender em longa lista. O ponto positivo é que a maioria dos assuntos pode ser evitada com instrumentos que trazem maior clareza e efetividade a relação societária. Não há outra alternativa a não ser preparar-se para que um potencial conflito não destrua empresas cujos esforços e dinheiro dos sócios são empregados ao longo de anos.
Bons empresários devem cercar-se destes instrumentos e convencer seus sócios de que, apesar de muitas vezes delicado, o assunto precisa ser tratado.
André Luiz Marquete Figueiredo